Mensagem do Morro

Resultado de pesquisa e reflexão a partir do Sermão da Montanha, Mateus 5-7. Serão vários artigos para edificação pessoal. 

Introdução
Acredito que não seja “chover no molhado” escrever sobre um texto tão comentado nesses vinte séculos. Desde a Patrística, aos reformadores e até os dias de hoje, o texto de Mateus 5 a 7 tem sido exaustivamente abordado. Não tenho a pretensão de subestimar o conhecimento que você também possui acerca do sermão da montanha. Talvez já o tenha lido por várias vezes e em momentos diferentes. Provavelmente, conheça todo ou partes do conteúdo desse texto. Também não posso negar aqueles que já colaboraram, substancialmente, através de sermões, livros e textos que descortinaram riquezas que hoje contribuem para o entendimento do sermão da montanha. Quero cooperar para que juntos possamos perscrutar os ensinamentos e aplicações mais legítimos do texto, de modo que as entranhas da mensagem nos sejam reveladas e seu aproveitamento seja contextualizado à realidade atual. Que seu teor mais profundo, intenso e perturbador possa desmitificar nossas ignorâncias. Meu desejo é que essas palavras não sejam apenas um adendo informativo à sua biblioteca imaginária. Não quero que você as leia apenas como um livro “devocional”, até porque esse termo já perdeu o significado nos dias atuais, reduzindo-se a uma reflexão meditativa, sem elemento de transformação comportamental e sem comprometimento com o Evangelho. Não pretendo fazer deste prospecto um manual pragmático com sete passos disso ou dez daquilo. A intenção motivadora que inspira o presente escrito é a necessidade de aprofundamento reflexivo sobre a melhor Mensagem do mundo. É a necessidade de fomentar nos leitores um estilo de vida condizente com o verdadeiro discipulado cristão e descrito na mensagem de Jesus Cristo.

Por que Mensagem do “Morro” e não “sermão da montanha”?
Não deixarei de utilizar o termo “sermão da montanha”, pois há vasta literatura sobre o texto que não se desvinculou do termo e ficou amplamente conhecido dessa maneira. A maioria dos livros e comentários afirma que este é o primeiro dos cinco grandes discursos de Jesus em Mateus. Todavia, não é o sermão pregado por Jesus que está em pauta, mas a mensagem contida nele. Jesus não objetiva, de maneira simplista, fazer uma homilia, mas emitir a mensagem do Reino de Deus. Em nossa cultura, o termo “Sermão” tem, às vezes, conotação exortativa no sentido de bronquear alguém. Ou se refere aquele discurso religioso realizado por um clérigo. Jesus, provavelmente não gostaria que chamássemos a mensagem do Reino, de Sermão. Ele contém a mensagem, embora não seja toda a mensagem em si. A mensagem é o espírito do que se diz. É a essência extraída do discurso. Um tem haver com o outro, mas não são a mesma coisa. Sermão é um compêndio de idéias organizadas, a mensagem é o conteúdo veiculado através disso. Todavia, uma mensagem pode também ser transmitida através de um bilhete, carta, livro, conversa. Para haver comunicação basta que exista um Emissor, um Receptor e a Mensagem veiculada. Entretanto, isso pode acontecer por diálogo, gestos ou escritos. Por isso, reduzir o que Jesus disse, ao termo Sermão, é um equívoco, pois suas palavras transcendem as expectativas humanas e entreabrem as portas do Reino para aqueles que desejam ser discípulos. Com isso podemos até entender que Jesus pode não ter pretendido pregar um sermão em si, mas conversar com o público alvo a respeito das coisas da vida, relacionando-as com a mensagem do Reino, com o objetivo de promover o discipulado. Portanto, “sermão” é o meio e não o fim. Já que a finalidade desse, é trazer o conteúdo, a mensagem. Precisa-se de uma quebra de paradigma, pois o termo “sermão” está enraizado no linguajar religioso e cauterizou-se em nossa mentalidade, reduzindo-se a um discurso algemado num tempo e espaço determinados. Embora ainda utilize o termo no decorrer do texto, tenhamos em mente a significância superlativa da mensagem, pois Jesus realmente deseja que vivamos conforme as palavras ditas naquela ocasião. E enfim, o discurso de Jesus não se limita ao campo hipotético, filosófico ou teórico. Sua mensagem tem sentido para a vida e ele deseja que absorvamos seu conteúdo bem como todas as matizes de significados contidas no que nomeamos comumente de “sermão”. 
Por que então, “Morro[1]” e não “Montanha” ou “Monte”? Mais uma vez a questão cultural interfere na tradução. Como a maior parte das traduções Bíblicas que temos foi retirada de outra cultura, às vezes, determinados regionalismos, terminologias e idéias passam desapercebidos. Não é muito comum utilizarmos o termo “Montanha” ou “Monte” na linguagem coloquial cotidiana, ao menos no meu contexto. Geralmente, dizemos “Morro”. Há mais significado contido neste termo quando contextualizamos a tradução do grego “horos”= morro, elevação. (Mt 5:1). O Morro faz parte do modo de vida dos brasileiros. Afinal, quantos ainda moram favelas e morros? Quantos marginalizados têm o Morro intrinsecamente ligado à linguagem e cosmovisão? Ao saber que Jesus inicia seu ensino num morro traz identificação com nosso ambiente vivencial. 



[1] MESTER, Carlos. Deus onde estás? Editora Vega, Belo Horizonte, 1972, p. 133. MESTERS utiliza esse termo num contexto diferenciado. Todavia nos chama atenção o fato de ele contextualizar a terminologia à realidade brasileira. cf: MESTERS, Carlos. O Sermão da Montanha. Suplemento 3, Editora Vozes, Petrópolis, 1973. P. 7.


Como ler a Mensagem do Morro?

Antes de abordar o assunto em si e enuclear o texto, permita-me fazer um desafio: Leia o Evangelho de Mateus capítulos 5 a 7. Entretanto, não o leia conforme a anti-cultura brasileira nos ensina. Certa vez vi um jovem fazendo a leitura de uma carta. Perguntei o que estava escrito nela e ele me disse: - “Não sei. Não consigo interpretar!”. Nossa cultura está repleta de analfabetos funcionais e pessoas que não aprenderam a interpretar os vocábulos, as construções gramaticais e textos simples. Não enxergam o que está por detrás das palavras e não decifram o conteúdo do que se quer dizer. Geralmente, esses indivíduos não receberam livros na infância e/ou foram “educados” pela televisão. Não é incomum ver muitos pais transferirem a arte de educar para os meios de comunicação em massa, o que compromete a capacidade reflexiva do ser humano. Há uma obsessão pela imagem animada. Da imagem às palavras, prefiro estas. Aquela está pronta e obviamente inteligível, enquanto as palavras precisam de neurônios em pleno funcionamento, junção de significados e correlação da escrita com as realidades vivenciais. Nossa gente se viciou em imagens, principalmente em movimento. Reconheço que a sociedade atual não está preparada, na sua plenitude, para uma leitura tão exigente como a das Escrituras. Além dos problemas sociais do País que não permitem uma geração de leitores assíduos e disciplinados; nossa cultura não tem ajudado muito na leitura da Bíblia. Conheço inúmeras pessoas que não têm o hábito de ler e não conseguem a auto-disciplina de concluir um livro inteiro, por mais interessante que seja.

Por isso, não leia esta obra sem antes debruçar-se sobre o motivo que o inspira, a própria mensagem do Morro (Mt 5-7). Nossa cultura, sobretudo brasileira não reverencia a leitura meditativa. Há alguns anos, quando eu era seminarista no Seminário Presbiteriano Independente em Londrina, Paraná, um divulgador marqueteiro foi vender um curso de leitura dinâmica[1] para os alunos. Isso nos pareceu estranho, comentou o professor na ocasião, já que a leitura teológica precisa ser contemplativa e vagarosa. O mundo em que estamos absorvidos não é apenas obcecado pela velocidade, mas também pela praticidade. Tudo acontece em alta rapidez e com muito barulho à nossa volta. O imediatismo e o pragmatismo ferem o princípio do silêncio, do taciturno e da espiritualidade sadia. A arte da contemplatividade foi desprezada no cotidiano. Estamos abarrotados por um ativismo estressante. Para ler as palavras que Jesus disse é preciso se debruçar com toda atenção; estar reflexivo, embevecido. Não utilize leitura dinâmica para ler o texto bíblico, pois não se decodifica as Escrituras como lemos o jornal do dia. Ao analisar a mensagem do morro, imagine o comportamento de Jesus. Dramatize suas expressões faciais, sua gesticulação e seu desempenho como Mestre. Logo no início diz o texto que Jesus se assentou no alto do morro (Mt 5:1). Reflita, sem nenhuma esquizofrenia paranóica, não apenas sobre o conteúdo da mensagem proferida pelo Mestre, mas como ele a pregou. Pense no público alvo. Imagine a importância daquelas pessoas ante os olhos Dele. Faça um esforço descomunal para se aproximar o máximo possível daquela realidade vivencial, onde o Mestre se assenta para, horizontalmente, ensinar o Evangelho e sem nenhuma pretensão de se colocar acima dos ouvintes. Sendo assim, leia o texto bíblico com ternura, acatamento e escolha o lugar exato para isso. Não o leia em frente à TV, ou perto de algo que possa lhe furtar a compreensão. Leia-o na quietude. Dispa-se da falácia e do barulho frenético que contaminam seus ouvidos. Separe um momento monástico em seu quarto ou num ambiente apropriado para ler a Mensagem do Morro, como você nunca fizera antes. Afinal, é a melhor mensagem do mundo, embora não seja a única pregada por Jesus; é digna de toda a dedicação. Só então você estará devidamente preparado para ter este livro em mãos e degustar os manjares espirituais que ele pode oferecer-lhe.




[1] Segundo o dicionário Aurélio, a leitura dinâmica é o “Método de leitura que permite a apreensão sintética e instantânea de um juízo ou raciocínio completo, e não uma seqüência linear de idéias, como nos dá a leitura comum; leitura rápida, leitura acelerada, leitura fotográfica.”

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